– 13 de novembro de 2012Publicado em: Com a palavra
A mais nova moda nas mídias sociais é o compartilhamento e pedido pela redução da maior idade penal. As pessoas que compartilham essa iniciativa, muitas vezes valendo-se da emoção, do imediatismo, da desinformação ou mesmo do conforto que o elitismo lhes proporciona, nem ao menos param para analisar o teor da proposta. Talvez elas não vejam, ou não saibam, que direitos básicos (fundamentais) de crianças e adolescentes, principalmente crianças e adolescentes das favelas e periferias, são desrespeitados cotidianamente. Se, pela lei, crianças e adolescentes têm direito à educação, saúde e lazer, na prática não é isso que acontece… E ninguém, ninguém (fora os pais, mesmo sem poder fazer muito), preocupa-se com isto, porque a sociedade organiza-se de maneira a realizar, via uma elite conservadora e perversa, a ideologia midiática que consolida cada vez mais as vantagens materiais e intelectuais das classes dominantes, tornando-nos, apenas, consumidor es, ou seja, gados; seres incapazes de pensar com nosso próprio pensamento e de maneira crítica.
Não podemos negar a violência que nos cerca, mas devemos observar que essa violência é fruto de uma extremada desigualdade social que desde sempre nos assola. Todavia, é cediço observar o contexto social e de degradação em que esses jovens estão inseridos, bem como o histórico de suas famílias: algumas destruídas por drogas e álcool; outras por abuso e exploração sexual; por surras e humilhações, ou mesmo por falta de perspectiva de um futuro e/ou atenção e carinho.
Neste sentido, vem a pergunta: “Por que eu não posso ter tudo isso também?” Aí começa a tragédia. Instala-se a violência de maneira absurda que acaba determinando quem irá pagar por isso: preto e pobre. Então, assim, já sabemos de antemão que esses indivíduos serão os massacrados pelo sistema penal que nada tem de corretivo, nem ensina a conduzir-se conforme a legislação penal vigente. Ao contrário, ao sair da instituição prisão, coercitiva, teremos humanos transformados em bichos e capazes de qualquer coisa para obter seus sonhos (de consumo – tão difundido pelos meios de comunicação).
Creio que até o mais arraigado defensor da redução da maioridade penal um dia foi um adolescente. Será que ele nunca cometeu atos por impulso? Será que esses atos não poderiam levá-lo ao arrependimento? Seria justo ter sua vida manchada desde o mais lacônico início da vida adulta? Talvez os adultos de hoje não tenham sido jovens ontem. E não adianta dizer que tiveram responsabilidade; depois de crescidos todos fomos responsáveis!
A ausência de políticas públicas por parte do Poder Público, da iniciativa privada e mesmo da sociedade é outro fator preponderante nesse debate. Direitos fundamentais, até emergenciais, são postos de lado em detrimento de interesses pessoais, políticos e escusos. Mas todos sempre ouvimos discursos sobre a urgência em investir na educação, priorizar a educação, educação, educação… A cada quatro (ou dois) anos esses mesmos discursos pipocam! E, à reboque, surge o néscio debate contra cotas, ENEM, PROUNI. Agora, na hora de votar para os 100% dos royalties do petróleo ir para educação, votam contra; e saem pela tangente, com as mais variadas desculpas. Que hipocrisia é essa?
Eugênio Zaffaroni, em seu livro Manual de Direito Penal Brasileiro, afirma que o crime não se constrói numa realidade atemporal, ainda mais em um setor tão próximo ao poder como o direito penal, mas é uma construção social. O modo de produção vigente e a “verdade” construída para o controle dos indivíduos constituem as premissas que devem ser utilizadas para a definição normativo-penal.
Em “Vigiar e Punir”, Michel Foucault mostra-nos como age uma sociedade elitista (movida pelo medo, pelo orgulho e pelo preconceito), conservadora e, muitas vezes, reacionária. É essa mesma sociedade que constrói o Direito Penal, organiza o sistema prisional, conduzindo-o para uma criminalidade específica, que, na maioria das vezes, não lhes ameaça, afinal, são eles os donos do poder, mas são esses fatores que cotidianamente acometem a classe média e, principalmente, os pobres. Contudo, é a pequena classe média, com sua pouca e anacrônica visão, induzida pelos meios de comunicação, que não cansam de trazer como exemplo a forma de outros países em lidar com a questão, sem ao menos mostrar as diferenças de realidade, cultura e ordenamento jurídico que possibilita a adesão (ou não) dessas medidas. Assim, no afã de ver os problemas resolvidos, passam a apoiar medidas tolhedoras, populistas e policialescas como panaceia para a violência e criminalidad e, o que acaba por agravar os problemas em vez de extingui-los, e assim nasce a falácia da redução da maioridade penal.
A população é levada a crer que adolescentes não são punidos e, com diminutos exemplos, os alarmistas propagam essa impressão. Mas adolescentes são tão responsabilizados por seus atos quanto adultos, cumprem uma pena de restrição da liberdade, chamada de medida socioeducativa, como previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e que pode se prolongar até após sua maior idade, se assim for constatado a incapacidade desses (ex) menores de se integrarem à sociedade. A diferença básica é que esses adolescentes ficam “presos” em estabelecimentos distintos dos demais presos. E se adolescentes votam, em principio é por mera intenção eleitoreira, por conseguinte é forma de chamá-los para transição da vida adulta.
Por outro lado, precisamos compreender que nossa experiência com o sistema prisional tem falhado com os menores, mas, sobretudo, com os adultos. As experiências do cárcere têm nos mostrado que sua função em educar, reintegrar ou mesmo em punir não está sendo atingida. Nossas cadeias são verdadeiras universidades do crime, que funcionam como escolas de recrutamento, treinamento e aperfeiçoamento para criminosos e, amiúde, para organizações criminosas. Vide o caso do PCC em São Paulo, que em meados dos anos 90 e por toda década de 2000 passou a recrutar seus membros graças à política de encarceramento em massa do governo paulista, que amontoou presos em cima de presos, para satisfazer nossa ânsia punitiva, nossa vontade de vingança que não cessa, como se ela pudesse mudar o contexto socioeconômico e político da realidade em que nos encontramos. Hoje, o próprio Estado sofre as consequências do encarceramento desmedido e insalubre que proporcionou a um a camada cada vez mais desassistida por ele próprio, o que possibilitou a criação de um estado paralelo ao Estado.
Reduzir a maioridade penal serviria somente para entregar adolescentes estagiários aos criminosos experientes, adolescentes em risco, adolescentes pobres e estigmatizados pelo preconceito da pobreza, pelo preconceito da cor, da mesma forma como muitos de seus pais (possivelmente) outrora sofreram. Ademais, o número de crimes cometido por adolescentes não chega nem a 10% do total de crimes praticados no país. Tentar reduzir a idade penal, a meu ver, é impossível, pois ela é cláusula pétrea, desta forma, podendo apenas ser modificada em sede de beneficiar os menores, mesmo porque o princípio do melhor interesse da criança, queira ou não, prevalece acima de qualquer desejo nosso de estabelecer um novo “pelourinho” para esses indivíduos que não tiveram a oportunidade de serem “socializados” adequadamente.
Portanto, pensar e sustentar argumentos em favor da redução da maioridade penal é, além de irresponsável, de um elitismo sem precedentes. Antes que esqueça, cuidado, pois o padrão sempre é quebrado, dando margem às exceções. Assim, nosso Código Penal em algum momento pode bater em sua porta, talvez seu anjinho não seja tão anjinho assim, mas e se ele for? Seria justo ser julgado e condenado a ser escolarizado pelo/para o crime? Cuidado, hoje o pedido de redução é para os 16 anos, quem sabe amanhã não é para 14 anos? Ou 12 anos, quem sabe…?
*Texto elaborado em parceria com a advogada Claudia Garcia.
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