1. Culpabilização do adolescente.
As estatísticas (1) demonstram que apenas 0,2% dos
adolescentes (entre 12 e 18 anos) estão cumprindo alguma medida sócio-educativa
no Brasil por terem cometido crimes. Isso prova que a criminalidade não é maior
nesta faixa etária, ou seja, não há um problema específico relacionado à
maioridade penal.
2. Desvio do foco das verdadeiras causas.
A discussão sobre maioridade penal desvia o foco das
verdadeiras causas do problema da violência, colocando a culpa no adolescente.
As pesquisas (2) realizadas nas áreas social e educacional apontam que no
Brasil a violência está profundamente ligada a questões como: desigualdade
social (diferente de pobreza!), exclusão social, impunidade (as leis existentes
não são cumpridas, independentemente de serem "leves" ou "pesadas"),
falhas na educação familiar e/ou escolar principalmente no que diz respeito à
chamada educação em valores ou comportamento ético, e, finalmente, certos
processos culturais exacerbados em nossa sociedade como individualismo,
consumismo e cultura do prazer.
3. Reações emocionais motivadas pelas "más
notícias" veiculadas pela mídia.
Em geral, quando tomamos conhecimento de histórias de crimes
bárbaros cometidos por jovens, temos naturalmente um sentimento de indignação,
que por sinal é muito justificado. Porém, quando tomamos contato com números
que mostram que apenas 2 em cada 1000 adolescentes se envolvem em crimes,
podemos relativizar esta indignação e não generalizá-la a todos os jovens, uma
vez que esses crimes bárbaros, apesar de serem chocantes, são casos isolados.
4. Crença de que as leis mais "pesadas" resolvem o
problema.
Muitas vezes imaginamos que leis mais rigorosas poderiam
combater a violência e melhorar a situação brasileira. Mas essa idéia
certamente é equivocada, uma vez que encontramos vários exemplos históricos e
atuais de regimes extremamente rígidos em diversos países, que ainda assim não
conseguiram reduzir ou resolver o problema da violência. Na verdade, não
precisamos de leis mais rígidas, mas sim de rigor e ética no cumprimento das
leis que já existem. Sem contar que no Brasil é muito comum haver injustiça e preconceito
na aplicação das leis. Pobres e negros lotam os presídios enquanto políticos
corruptos continuam no poder, abusando dos seus privilégios. Se as leis forem
mais rígidas, obviamente essa rigidez também afetará automaticamente o setor
excluído da sociedade e não as camadas dominantes. Sendo mais claro: da forma
como estamos, se um adolescente pobre cometer um crime certamente será preso,
mas dificilmente um filho da elite sofrerá a mesma punição.
5. Satanização da adolescência pela sociedade.
Quando queremos reduzir a maioridade penal parece que há um
discurso implícito que diz mais ou menos o seguinte aos adolescentes: "nós
desconfiamos de vocês... se não andarem na linha, nós vamos puní-los com
rigor!" Ou seja, passamos a cultivar um espírito de desconfiança, tratando
os adolescentes como se fossem nossos inimigos. No entanto, sabemos que a
adolescência é uma fase em que o ser humano é tomado por diversos conflitos e
um forte sentimento de insegurança, de maneira que nossa desconfiança pode ter
o poder de acentuar ainda mais as dores de um período por si só doloroso.
Precisamos valorizar o jovem, considerá-los como parceiros na caminhada para
construção de uma sociedade melhor, e não como vilões que estão colocando a
nação em risco.
6. Crença de que os jovens terão medo da punição e cometerão
menos crimes.
Por que temos medo de receber uma punição como a prisão?
Certamente porque gostamos de viver a vida em liberdade, temos uma boa rede de
afetos (família e amigos), temos uma rotina que de alguma forma tem atividades
estimulantes, das quais não queremos abrir mão. Então, se um adolescente tiver
auto-estima baixa, pouca referência afetiva e uma vida muito difícil, será que
ele vai se importar com um punição mais rigorosa? Será que terá tanto medo
quanto nós temos, a ponto de deixar de fazer alguma coisa para não ser punido?
E não são justamente estes adolescentes que cometem crimes mais graves, os que
já não têm uma vida digna a prezar? Muitos já arriscam a própria vida todos os
dias convivendo com traficantes, chefes de quadrilhas e gangues, então, por que
então terão medo da lei? As punições só podem causar medo e impedir o crime
quando aprendemos a gostar de viver e sentimos a necessidade de lutar pela vida
que ganhamos e construímos. Até mesmo a morte não causará medo em pessoas que
não têm perspectiva.
7. Crença de que a prisão educa.
Reduzindo a maioridade penal, adolescente vão para a prisão.
E daí? Depois de tudo o que sabemos sobre as condições dos presídios
brasileiros, como ainda acreditamos que um adolescente poderá aprender alguma
coisa e se reeducar num sistema que não oferece nenhuma condição de educar
ninguém?
8. Crença de que a lei atual é "mole" e o ECA
enfatiza apenas os direitos.
Para quem pensa desta forma, o desafio é ler o Estatuto da Criança
e do Adolescente. Esta lei foi criada para proteger os menores de 18 anos de
comportamentos gravíssimos cometidos por adultos, como negligência,
espancamento e abuso sexual. Mas, ao mesmo tempo que protege, garantindo os
direitos, a lei também exige os deveres e prevê reparações de erro, trabalho
comunitário, tratamento e até mesmo privação de liberdade para o caso de jovens
em conflito com a lei. Assim, mais uma vez o problema não é a lei que é frouxa,
mas o fato das leis existentes não serem cumpridas ou serem cumpridas de
maneira inadequada. Muitos adolescentes que são privados da sua liberdade, por
exemplo, não ficam em instituições efetivamente preparadas para reeducar estes
jovens e acabam reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. Um ambiente
adequado para cumprimento de medidas sócio-educativas precisa contar com
profissionais preparados e recursos adequados para recuperar o ser humano.
9. Dificuldade de admitirmos a nossa parcela de
responsabilidade.
O ser humano, em geral, tem a tendência de olhar muito
facilmente a culpa do outro, o erro do outro, o mal que o outro causa, e uma
imensa dificuldade em olhar para si e enxergar a sua própria culpa, os seus
próprios equívocos, o seu próprio mal. É a velha e sábia história: olhamos para
o cisco no olho dos outros e não retiramos o cisco que se encontra em nossos
próprios olhos. Assim, defendendo a redução da maioridade penal corremos o
risco de olhar apenas para o adolescente e esquecer o nosso próprio egoísmo,
nossa falta de solidariedade, nossa indiferença social, nosso consumismo, nossa
ostentação... fatores que reforçam a desigualdade social e contribuem para
deixar os jovens mais desamparados e perdidos em termos de valores. Não podemos
simplesmente querer punir jovens que cometem crimes sem lembrar que dos
pequenos crimes de descaso que cometemos no dia-a-dia.
10. O ódio em alta.
O perdão e o amor em baixa. Este é o ponto mais difícil de
ser tratado porque mexe com áreas muito profundas do nosso ser. Certamente a
indignação causada pelas notícias de jovens que cometem crimes nos levam
facilmente ao ódio e o ódio nos leva a procurar uma forma de vingança,
despertando o desejo de dar uma punição extremamente rigorosa aos criminosos.
Quando pensamos do ponto de vista da vítima, imaginando o sofrimento pelo qual
passou e a dor que atingiu a família, é quase natural que esse ódio seja
reforçado. Porém, apesar de difícil, vale a pena o exercício de tentar pensar
no lado do criminoso. Um jovem que comete um crime bárbaro tem sua vida marcada
para sempre (sua consciência e o julgamento da sociedade são cruéis); uma vida
que poderia ter se tornado mais um brilho para dar luz ao mundo, foi apagada;
uma energia que poderia ajudar na transformação do mundo foi interrompida; uma
chama criativa que poderia contribuir para melhorar a raça humana, foi extinta,
talvez para sempre. Se pensarmos assim, talvez encontremos um espaço para a
compaixão e o perdão... porque a vida que fica talvez não sofra menos do que a
vida que se foi... Além disso, quando assistimos um jovem que se envereda pelos
caminhos tortuosos da criminalidade, de certa forma nos deparamos com nosso
próprio fracasso enquanto sociedade... fracasso por não termos conseguido
conduzir uma vida para sua realização plena e ética, enquanto ser humano.
(1)Fonte: Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança
e do Adolescente (SEDH).
(2)Sposito (2001), Zaluar & Leal (2001), Debarbieux
(2001).
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